Todas as emoções nos são úteis e devem ser vividas. Se há emoções com que ninguém parece ter preocupações, como é o caso da alegria, há outras que são olhadas com muita desconfiança, como é o caso da tristeza ou da zanga. À tristeza, nalgumas situações (morte de alguém próximo, divórcio), é concedida algum tempo para que seja vivida, tentando-se depois que ela desapareça rapidamente, (“tristezas não pagam dívidas”) pois muitos de nós não nos concedemos, nem a nós nem aos outros, o direito de estar triste, nem queremos viver a vulnerabilidade que representa “estar triste” porque “temos que ser fortes” e... produtivos. Nesta armadilha caiem muitos dos que depois acabam verdadeiramente deprimidos, perdendo o sentido da sua própria vida. Quanto à zanga, essa é vista ainda com piores olhos, como se fosse uma emoção maldita, ora ela afinal não é nem mais nem menos que as outras emoções, ou seja perfeitamente natural e saudável, acompanhada por transformações psicológicas e fisiológicas com objetivos específicos. Se a tristeza nos leva a chorar as perdas e o medo nos leva a agir no sentido de nos protegermos, a zanga dá-nos a informação de que há limites a ser ultrapassados e que teremos de tomar providências no sentido de repor justiça, é o que nos permite defender quando nos sentimos atacados, ou seja, tal como as outras emoções, tem uma tendência de resposta natural, adaptativa e essencial à sobrevivência. Quem não tem consciência das suas emoções ou as intelectualiza, não as pode utilizar como guia. Se ignorarmos a informação que as emoções nos dão, perdemos o contacto com uma parte de nós. Dado que as emoções têm o seu papel, se as ignoramos, ou se fingimos que não existem, elas acabam por se mascarar e aparecer com mais intensidade ou doutra forma, vestindo outras roupagens, gerando uma confusão de sentimentos e pensamentos desadaptativos, que acaba por nos deixar perdidos e muitas vezes descontrolados. Se estamos zangados com alguém, mas não tomamos consciência disso, ficamos impedidos de simbolizar, e podemos agir sem pensar e de forma violenta, ou, envergonhar-nos e reprimir o que sentimos. Porque se fala tanto de controlo da Zanga? Porque a zanga quando não é ouvida e/ou consciencializada pode crescer e tornar-se violenta, ela pode ir, desde uma leve irritação até à fúria e pode tomar conta de nós a ponto de ficarmos seus reféns e agirmos a partir dela e não a partir do que ela nos comunica e das decisões que tomamos, conscientes das consequências. Porque a tristeza quando não é ouvida sistematicamente nem atendida no seu direito de vivência, pode surgir vestida de zanga e transformar-se em revolta e em violência. Porque o medo, quando não é autorizado a existir pode dar o braço à vergonha, e aparecerem mascarados de zanga, (como se o medo fosse para os fracos e a zanga para os fortes). Porque a própria zanga, quando é muitas vezes maltratada e calada, também ela se pode esconder por trás duma aparente tristeza e acabar em depressão. O hipercontrolo, a negação ou o constante impedimento de expressão da zanga, pode também levar a comportamentos do tipo passivo-agressivo (evitando o confronto, mas atacando os outros de forma pacífica e sub-reptícia, sem que eles se apercebam do motivo - por exemplo dizendo sempre que sim, mas nunca fazendo) este evitamento constante da zanga pode também transformar-se em cinismo, ressentimento, amargura e hostilidade, trazendo graves problemas ao nível do relacionamento interpessoal e do bem-estar psicológico Que fazer com a minha zanga? Ouvi-la perceber se é zanga, ou outra emoção mascarada de zanga. Se percebermos que ela está mascarada teremos que ter a coragem de a desmascarar e autorizar que as emoções que atrás dela se esconderam, apareçam e sejam vividas. Se for só zanga, olhar para ela de frente, escutá-la, perceber donde vem, o que nos quer transmitir. Assim que a escutarmos verdadeiramente será mais fácil regulá-la e agir com maior liberdade, podendo escolher o rumo da nossa acção, sem estar sob o seu controlo, e, pelo contrário, controlando-a, deixando-a fluir de acordo com a nossa vontade. Ser assertivo, expressando a nossa opinião, vontade, desejo é meio caminho para não termos de ser agressivos. Acalmarmos do ponto de vista fisiológico, respirando fundo, concentrando-nos em nós, e não no outro ou na situação que despoletou a zanga, ajuda a que o coração recupere um ritmo menos agitado e ajuda-nos a recuperar o controlo. Como deixo de ficar zangado? Primeiro, ficando, escutando e sentindo, depois percebendo porque estou, e finalmente agindo de forma responsável e livre, não a partir da zanga, mas do que descobrimos através dela. Pode haver ganhos, perdas, responsabilizações, perdão ou não perdão, mas terá de haver aceitação da situação para que ela deixe de ser perturbadora. Podemos então deixar partir a zanga pois guardámos a informação que ela nos trouxe e agimos de acordo com a nossa escolha. Cristina Marreiros da Cunha - Psicóloga e Psicoterapeuta
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